Escola de Artes Liberais

Alcuíno de York

Cultura, Ciência e Educação à Luz da Tradição

Educação Liberal I: Educar e Ensinar

A Educação Liberal ou também chamada Educação Clássica tem como base as Sete Artes Liberais e predominou absoluta no mundo ocidental por mais de 2000 anos, da qual ainda somos herdeiros, mas que dela só nos chegou reminiscentes reflexos distorcidos pelo tempo. Para definirmos o que seja Educação Liberal, portanto, é antes necessário tratarmos do que seja educação e ensino, objetivo deste primeiro artigo da série Educação Liberal.

 O que é Educação?

A palavra educação tem sua origem no latim na palavra educare, educere (ex-ducere) que significa conduzir ou direcionar para fora, como que revelar em ato o que antes só existia em possibilidade (potência) [1].

Em comparação com uma semente, sabemos que se plantada e cultivada virá a ser uma planta, com galhos, folhas, flores e frutos; a semente guarda em potência a planta inteira, da mesma forma uma criança, um jovem um ser humano, tem latente diversas potências que poderão ou não ser atualizadas, ou seja, desenvolvidas em sua plena potência (capacidade), se tornando um ato, uma ação concretizada.

A educação em sua essência é, portanto, o processo de atualizar as potências humanas, sendo o caminho (método) de desenvolvimento do ser humano na plenitude de suas dimensões: física, intelectual, moral e espiritual, considerando, naturalmente, seus limites. Educar é também ordenar, disciplinar, instruir, orientar, aconselhar, repreender, corrigir, punir, incentivar e, sobretudo amar. Em síntese, educar é tudo aquilo quanto fazemos para que uma criança ou jovem revele seus potenciais latentes, de forma a contribuir harmoniosamente consigo mesma e com sua comunidade, seja esta sua família, escola, religião, trabalho, ou seja, a sociedade de forma geral.

Assim como um jardim, para revelar sua beleza, será preciso cultivá-lo com amor, luz, nutrientes, solo adequado, preserva-lo das ervas daninhas indesejáveis, fazer controle de pragas (fungos, lagartas, pulgões etc), podas quando necessário, apoiar com estacas, guiar etc. São diversos cuidados envolvidos para que se tenha um jardim cheio de flores e vida, que nos apresente sua beleza em seu máximo potencial. Principalmente é preciso realizar a manutenção diária para conservar seu esplendor. Da mesma forma é com a educação.

Funções da família e do Estado na educação

Considerando a explicação anterior, é ponto pacífico que, os primeiros educadores aos quais foi confiada por Deus a missão de educar outro ser humano são os pais ou quem ocupe o lugar de um pai e uma mãe para quem quer que seja. Os pais, responsáveis pela educação, poderão escolher tutores, escolas, professores, cursos, religiões e outras atividades que porventura sejam por eles consideradas importantes para a complementação da educação de seus filhos. São, portanto, soberanos para escolherem o que é melhor a seus filhos e, por isso, os profissionais contratados na complementação da educação tem, por coerência, o dever de realizar um trabalho alinhado com a educação dada pelos pais em casa. Por outro lado os pais tem condições de buscar escolas e profissionais que estejam alinhados com sua visão de mundo e métodos. Por outro lado os professores tem o dever de respeitar a educação familiar e procurar, quando possível, estar em sintonia com ela, ou no mínimo não contrapô-la deliberadamente. A intervenção do Estado se justifica nos casos extremos de abandono e violência familiar e, claro, na promoção da rede pública de ensino e de ações culturais, que venham apoiar e, só em ultimo caso, substituir a família.

Neste ponto, alguém pode perguntar: como a educação pública pode atender a diversidade das visões de mundo sem ferir o princípio da soberania dos pais na educação dos filhos e respeitar a liberdade de consciência dos seus alunos?  Quanto à educação pública, faz-se necessário para tanto respeitar o princípio da neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado garantido na Constituição Federal [2]. Ressalto que quem é neutro é o ESTADO e não o professor! Incrível como tanta gente escolarizada tem dificuldades de compreender o assunto, que merecia uma explicação mais pormenorizada que fugiria dos objetivos do artigo, mas não me furtarei a uma breve explicação em dois parágrafos.

Como vivemos em um país plural, para garantir o respeito à pluralidade é que o estado precisa ser neutro, do mesmo modo as instituições que o representam, como as escolas públicas, por exemplo. O professor pode e deve ter suas preferências políticas, ideológicas e religiosas, porém quando servidor público tem o dever de respeitar, se orientar e fazer valer o princípio da neutralidade do estado, pois só assim estará respeitando a diversidade representada em seus alunos e pais de alunos.

E como o professor (servidor público) pode aplicar o princípio constitucional da neutralidade? Um das coisas é, ao tratar de questões controversas, buscar apresentar aos alunos, de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, opiniões e perspectivas concorrentes. Obviamente, não favorecer e nem prejudicar alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou mesmo da falta delas. Muito menos promover seus próprios interesses, opiniões e crenças, nem mesmo usar o tempo da aula para fazer propaganda político-partidária ou mesmo incitar seus alunos a participarem de manifestações, atos públicos e passeatas. [3]

Qual a diferença entre Educar e Ensinar?

Não é raro confundir o termo educação com ensino. Usar aquele por este é prática comum em todo mundo desde que os governos começaram a atribuir para si a função de educar. Principalmente a partir do início do século XX, quando em todo mundo a palavra educação se sobrepôs a ensino e instrução, o antigo ministério da instrução, agora da educação, é disputado por diversas utopias sociais concorrentes que buscam influenciar os meios escolares e culturais, com objetivo de formar os cidadãos com a visão de mundo necessária a construir o que cada uma dessas utopias alegam ser uma sociedade melhor [4].

O ensino é apenas um dos aspectos da educação, sendo esta mais abrangente que aquele.  A palavra ensinar se originou de insignare do latim, que é imprimir uma marca, colocar um sinal, ou seja, dar algo de si e deixar este algo no outro. [2]

Examinando a etimologia das palavras percebemos um aparente antagonismo entre educar e ensinar: enquanto educar é algo que vem de dentro para fora, ensinar é algo que vem de fora para dentro, enquanto o desenvolvimento humano está para a educação, a aprendizagem está para o ensino.

Educar e ensinar são processos antagônicos, porém dialéticos, que se influenciam mutuamente. Educar envolve as condições externas que despertam a revelação dos potenciais ocultos interiores, e, ensinar só é frutífero quando há um amadurecimento interno já revelado (educado) para recebê-lo. A educação se limita ao potencial do indivíduo ou pelos seus interesses e vontade. Não adiantaria plantar alface e esperar dele flores. Da mesma forma a vontade e o interesse do indivíduo impõe bloqueios à educação. Por mais que queiramos algo que achemos benéfico alhures, na maioria das vezes dependerá do próprio indivíduo querer para si ou entender que este algo é benéfico para se próprio. O peso do querer no processo educacional e mesmo de ensino tende a aumentar com o crescimento do indivíduo, pelo consequente aumento de sua autonomia.

Os pais terão a responsabilidade pela educação dos seus filhos enquanto estes forem crianças e jovens. Na juventude o próprio indivíduo começa a ser cada vez mais responsável por seu desenvolvimento, ou seja, por sua educação e, cada vez mais terá autonomia sob suas escolhas até um dia ele próprio ser o único responsável por sua educação, o que chamamos de Autoeducação, que deve continuar ao longo de toda vida.

Enquanto a educação pressupõe uma visão de mundo e um ethos, uma ética, ou seja, um conjunto de valores morais de referência para orientar a educação e desta forma o comportamento humano em sociedade. O ensino pressupõe um conteúdo predefinido, porque ensino é sempre de algo, de algum conteúdo a priori. Porém tudo quanto é ensinado são desenvolvimentos culturais da humanidade ao longo de sua história, inclusive inspirações divinas e revelações. Aqui chegamos nas perguntas fundamentais que  nos conduzirão a adentrar a educação liberal: que ser humano queremos educar? É possível discernir entre o que vale e o que não vale a pena ser ensinado e transmitido as futuras gerações? As respostas serão o tema do nosso próximo texto da série: Educação Liberal II: O que é Educação Liberal?

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[1] Silveira Bueno, Francisco.  Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa. 1968.

[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Artigos 1º, V; 5º, caput; 17, caput; 19, 34, VII, “a”, e 37, caput.

[3] Nagib, Miguel. Programa Escola sem partido. Cartaz.

[4] Moreira, Armindo. Professor não é educador. 2012.

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Educação Liberal II: O que é Educação Liberal?

Educação Liberal III: O Ensino Clássico

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